Quando
era adolescente as canções que ilustravam o meu mundo tinham pendor
revolucionário, os meus amigos eram todos de esquerda, mas de uma esquerda onde
o Partido Comunista era considerado de direita. Idos tempos de utopia e miopia
onde era fácil vender verdades a
adolescentes que confundiam o mundo dos sonhos com os sonhos do mundo. Desse
tempo, de que guardo boas memórias e grandes aprendizagens, recordo um episódio
que foi determinante para romper ideologicamente com esse universo fechado e de
clandestinidade, onde se defendia uma certa verdade, única, insofismável e
inquestionável.
Certo
dia, questionei um camarada sobre a possibilidade de publicar alguns poemas que
tinha escrito no viço da adolescência, ele era o chefe local e nada devia ser
feito sem que ouvíssemos a sua opinião, era assim o centralismo democrático.
Esse camarada para além de ser um profissional da política era, também,
presidente de uma Comissão de Trabalhadores de uma das maiores empresas de
Portugal. Era alguém que tinha influência local e que se movia com facilidade
nos corredores do poder, em Lisboa
Pedi-lhe que lesse esses textos. Passado algum tempo chegou a sua douta
opinião.
O camarada começou por dizer que os meus poemas não eram revolucionários,
que falavam de amor e de paisagens, que não devíamos falar de nós, mas do
colectivo. Num instante percebi que estava no lado errado da utopia. Sem mais
delongas ou discussões tratei de pedir para sair da organização onde militava.
O pior veio depois: longas reuniões, lavagens ao cérebro, promessas de
revoluções com calendário ajustado às necessidades, enfim, uma via sacra
ideológica para me convencerem a ficar. Foram longos meses de reuniões e
comunicações internas para me convencerem que eu estava errado e,
principalmente, que devia ter em conta o colectivo. Inútil! Eu era um
adolescente com asas, não admitia disciplina ignorante e dogmática.
Finalmente,
encontraram a melhor fórmula: expulsão do partido por defender a ideologia
burguesa. Nem mais, para mim foi um alívio. Considero
este acontecimento determinante na minha vida cívica. A minha percepção da
liberdade é de tolerância. O tempo deu-me razão. Esse camarada que vetou os
meus poemas de amor transformou-se num empresário, abandonou as convicções esquerdistas, vendeu Lenine e Marx, e
converteu-se ao luxo do capitalismo mais selvagem. Agradeço-lhe, sem o seu veto
e a sua ignorância, provavelmente, a minha vida seria outra. Quando
recordo este episódio não reencontro na vida pública nenhum desses patetas que
vendiam o futuro, mas que não deixavam os jovens viverem o seu presente. Os
poemas de amor venceram a ignorância, porque só o amor é revolucionário.
António
Vilhena