segunda-feira, 30 de outubro de 2017

O amor é reaccionário.


Quando era adolescente as canções que ilustravam o meu mundo tinham pendor revolucionário, os meus amigos eram todos de esquerda, mas de uma esquerda onde o Partido Comunista era considerado de direita. Idos tempos de utopia e miopia onde era  fácil vender verdades a adolescentes que confundiam o mundo dos sonhos com os sonhos do mundo. Desse tempo, de que guardo boas memórias e grandes aprendizagens, recordo um episódio que foi determinante para romper ideologicamente com esse universo fechado e de clandestinidade, onde se defendia uma certa verdade, única, insofismável e inquestionável.

Certo dia, questionei um camarada sobre a possibilidade de publicar alguns poemas que tinha escrito no viço da adolescência, ele era o chefe local e nada devia ser feito sem que ouvíssemos a sua opinião, era assim o centralismo democrático. Esse camarada para além de ser um profissional da política era, também, presidente de uma Comissão de Trabalhadores de uma das maiores empresas de Portugal. Era alguém que tinha influência local e que se movia com facilidade nos corredores do poder, em Lisboa  Pedi-lhe que lesse esses textos. Passado algum tempo chegou a sua douta opinião. 

O camarada começou por dizer que os meus poemas não eram revolucionários, que falavam de amor e de paisagens, que não devíamos falar de nós, mas do colectivo. Num instante percebi que estava no lado errado da utopia. Sem mais delongas ou discussões tratei de pedir para sair da organização onde militava. O pior veio depois: longas reuniões, lavagens ao cérebro, promessas de revoluções com calendário ajustado às necessidades, enfim, uma via sacra ideológica para me convencerem a ficar. Foram longos meses de reuniões e comunicações internas para me convencerem que eu estava errado e, principalmente, que devia ter em conta o colectivo. Inútil! Eu era um adolescente com asas, não admitia disciplina ignorante e dogmática. 

Finalmente, encontraram a melhor fórmula: expulsão do partido por defender a ideologia burguesa. Nem mais, para mim foi um alívio. Considero este acontecimento determinante na minha vida cívica. A minha percepção da liberdade é de tolerância. O tempo deu-me razão. Esse camarada que vetou os meus poemas de amor transformou-se num empresário, abandonou as convicções  esquerdistas, vendeu Lenine e Marx, e converteu-se ao luxo do capitalismo mais selvagem. Agradeço-lhe, sem o seu veto e a sua ignorância, provavelmente, a minha vida seria outra. Quando recordo este episódio não reencontro na vida pública nenhum desses patetas que vendiam o futuro, mas que não deixavam os jovens viverem o seu presente. Os poemas de amor venceram a ignorância, porque só o amor é revolucionário.



António Vilhena

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