Era
para ser uma simples conversa à porta do quiosque dos jornais, mas as palavras
tensas trouxeram o ar pesado. Os primeiros instantes revelaram uma inquietude
ilegível. As unhas descuidadas da mão direita deixaram-me de sobreaviso. A
tarde instalara-se, acenderam as luzes e a nossa conversa continuou. Era
preciso dar ouvidos, olhar nos olhos, permanecer sem pressa. Nestas
circunstâncias é preciso empatia, é urgente que o outro sinta que nos
disponibilizamos incondicionalmente, que sentimos as suas dores, que estamos
disponíveis para ficarmos perto. Não marcámos encontro, não sabíamos um do
outro há muito tempo, desde que frequentámos a Faculdade. O tempo quase apagou
as feições do seu rosto, não fosse ter chamado pelo meu nome. A conversa podia
não ter acontecido se não fosse esse acaso, e, provavelmente, passariam mais
vinte anos sem nos encontrarmos. A história das amizades é, também, feita
destes momentos improváveis, deste jogo de dados: Vou comprar o jornal aqui?
Vou ler as “gordas”? Entro, não entro? Foi assim que tudo começou, a mão no
ombro e um olá afectivo foram suficientes para rememorarmos tanta ausência. Em
trinta segundos fiquei a saber onde vivia, o que fazia, que tinha filhos, que
se dedicava a divulgar a palavra de Deus. Quase no fim, disse-me que me
esperava na sua Igreja. Prometi-lhe que passaria lá um dia. Despedimo-nos como
se fossemos vizinhos, mas senti que seriam necessários mais vinte anos para nos
encontrarmos.
António Vilhena
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