Carla
Bernardino é soprano, mas pelo caminho licenciou-se em Direito, na Universidade
de Coimbra. A música segredou-lhe inconfidências poéticas. Ficou cativa
do canto lírico. Terminou o 8º grau de Conservatório, depois a Pós-graduação em
Ópera na Escola de Música de Artes e Espetáculos do Porto (ESMAE). Os acordes
afinaram-lhe a vida e descobriu o universo da Ópera: interpretou os principais
papéis na Ópera Les Enfant et les Sortileges, em Les Dialogues des Carmelites,
em Flauta Mágica e Fairy Queen de H. Purcell. A música é, também, a metáfora
dos encontros. Com os maestros António Vitorino D´Almeida e Rui Pinheiro ousou
novas experiencias musicais. Participou no “Meeting Place Music, Theatre and
Landscape” na Suécia; em Cabo Verde, aquando do aniversário, da Fundação da
Orquestra Nacional Cabo-verdiana; e na “Ópera 3 Mil Rios” na cidade de Bogotá,
na Colômbia. Atualmente é professora de Técnica Vocal.
1.Onde começa sua genealogia?
Tenho raízes que me ligam a África,
nomeadamente Cabo Verde, o país onde meu pai nasceu. Com 18 anos abandonou a
sua terra e veio para Portugal. Sou fruto de uma bela história de amor entre
uma Portuguesa e um Caboverdiano, relação bastante ousada à época.
2 . Quais as músicas que compõem a banda
sonora da sua vida? E os livros?
É difícil enumerar as músicas que me
marcaram e ainda marcam, há uma enorme quantidade de temas que adoro ouvir
pertencentes a estilos e épocas completamente díspares. Do Clássico ao
Romântico, do Rock ao Jazz, mas também Músicas do Mundo que nos dão a conhecer
a sua cultura através da música. Sou uma enorme apreciadora da música
latino-americana, adoro ouvir Chavela Vargas, Tom Jobim, Omara Portuondo, Astor
Piazolla. Depois o Jazz também tem um cantinho especial que me delicía, Nat
King Cole, Ella Fitzgerald e Louis Armstrong... e a incomparável Nina Simone.
Nos livros tal como na música é difícil eleger aqueles que nos marcaram mas
destaco “Quando Nietzsche chorou” de Irvin Yalom.
3.Como surgiu o Prestige, uma formação
clássica de três artistas eruditos?
Decorria o ano de 2004/2005, frequentava
eu o Curso de Canto no Conservatório de Música de Coimbra, quando fui convidada
para cantar num evento. Motivada pelo convite juntei-me a mais dois colegas,
também eles estudantes do Conservatório (pianista e violinista) e começámos a
estudar e a preparar repertório para o evento. Daí para a frente nunca mais parámos.
O Prestíge tomaram uma dimensão e uma credibilidade, na área da música clássica
na região centro, incontornável. Abrilhantámos centenas de eventos e são muitas
as autarquias e instituições privadas que nos acolhem.
4.Quando decidiu ser uma soprano?
Eu não decidi ser uma soprano, digamos
que, a certa altura era uma evidência incontornável e não o fazer tornava-se
extremamente penoso. Quando concluí o curso de Direito não coloquei sequer a
hipótese de continuar. A música, o “bel canto” já tinham tomado conta da minha
vida e do meu coração. Quando me apercebi já estava demasiado envolvida a fazer
coisas, com projetos, ideais, aulas... eu não decidi, simplesmente
aconteceu!... e quando parei para pensar sobre isso, o Canto já era a minha
vida. O meu maior desafio, enquanto cantora lírica é conquistar um público cada
vez mais vasto no “bel canto”, tradicionalmente elitista e confinado aos teatros
de Ópera. Hoje sou convidada a actuar em espaços e
salas onde este tipo de música não tinha lugar.
5.Como é o processo de preparação da
voz, para representar os grandes papéis do repertório lírico?
Aprender Canto Lírico é um verdadeiro
desafio. Temos de encarar esse processo com algum rigor e dedicação. A
preparação e formação da voz não acontece de um momento para o outro e tem
momentos verdadeiramente penosos. É necessário conhecermos o nosso instrumento
(a voz), trabalhar diariamente e ser persistente e focado no objectivo
principal. A preparação de uma personagem, no repertório Lírico, carece do
conhecimento profundo da personalidade e do carácter da personagem para que,
aquando da interpretação do tema, consigamos transmitir claramente a ideia
sentimental e estado de alma. O ouvinte deve sentir-se transportado para aquele
contexto e personagem. O cantor é também um actor.
Entrevista: António Vilhena e Angel Machado.