A
Genética que aprendi na Universidade deixou-me grandes ensinamentos,
principalmente, porque aprendi, à custa da cadeira de Genética, que “o mais
importante” era descender de alguma dinastia ou ter um nome sonante que tivesse
correspondência nalguma das Faculdades. Vem isto a propósito do livro “Genética
Para Todos”, de Heloísa G. Santos e André Dias Pereira, editado pela Gradiva.
Como se escreve na capa do livro, esta obra viaja de Mendel à Revolução
Genómica do Século XXI: a prática, a ética, as leis e a sociedade. Não há
muitos anos a ciência exibia a descoberta da dupla hélice de DNA de Watson e
Crick, em 1953, tendo recebido o Prémio Nobel de Medicina e Fisiologia (1962).
Esta descoberta foi inspiradora para a humanidade que deixou marcas indeléveis
em poetas que glosaram o feito. Vitorino Nemésio escreve: I - Afinal sou assim,
infeliz e volúvel, // Porque a minha alma guarda uma ordem diversa // De
pulsões celulares ao longo do eixo: // Decifre-me quem saiba – que dispersa, //
Com o nome de A.D.N. aqui na cruz a deixo //
II – Nervo a pavor, fonte renal de rijo, // Cor dos meus olhos,
estatura, gosto, // Quanto me importo, ó Deus, quanto me aflijo, // Tudo A.D.N.
inscreve no meu rosto. (Obras Completas, vol. II, Poesia, 1971).
“Genética
Para Todos” é um livro pertinente, surge quando se colocam à sociedade desafios
que o conhecimento científico traz consigo, questões éticas que prometem
alterar os paradigmas até agora existentes. O estudo da sequência do genoma
humano, em boa parte motivado pela descoberta de Waston e Crick, foi uma das mais
poéticas incursões da ciência na vida humana. Os receios de fanáticos
religiosos e de políticos não impediu que mais de cinco mil cientistas tivessem
cartografado o genoma humano. A viagem ainda estava no princípio. A descoberta
implicava riscos e o Prémio Nobel, John Soulston, chamou a atenção para os
problemas éticos que se colocam à Ciência e à humanidade: "Ao longo dos
anos, a ética na ciência tem diminuído. Este facto tem a ver com os poderosos
interesses económicos e políticos em jogo” (2002). Perante os grandes desafios
que o desenvolvimento da ciência nos coloca, cresce na comunidade científica um
clamor que apela a uma maior ponderação ética. Em 1983, François Mitterrand,
antecipou esta realidade ao criar na Europa a Comissão Nacional de Bioética. O presidente da Comissão Nacional de
Bioética, Jean Bernard, foi bem claro: “a honra da medicina, e também, da sua
dificuldade, é a aliança entre o dever da ciência e o dever humanitário. A
nossa tarefa é favorecer esta aliança” (1991).
Quais
as “implicações jurídicas do conhecimento do genoma humano”? Eis a pergunta que
o Professor André Dias Pereira faz, recuperando o título de um estudo
visionário de Guilherme de Oliveira, em 1991. Os contornos da revolução
científica e tecnológica tem tanto de estimulante como de assustador. No futuro
o conceito de “humano” pode não ter nada a ver com aquilo que hoje conhecemos.
Talvez o futuro da vida nos próximos milhares de anos esteja nas mãos do que
hoje se considera a Revolução GNR (Genética, Nanotecnologia e Robótica).
Fukuyama é um pouco pessimista: “O mundo pós-humano pode não ser livre, igual,
próspero e propiciador de cuidado e compaixão” (pg. 102), não hesitando em
alertar para os perigos que ameaçam a humanidade se não “se abrir os olhos e
evitar que o Homem, se torne escravo de um inevitável processo tecnológico que
não serve fins humanos”. Não é impunemente que cada vez mais se fala de
Eugenia, com má memória, na Alemanha.
Já imaginou que com base no conhecimento
do seu genoma pode não conseguir comprar uma casa, ter acesso ao crédito,
arranjar emprego ou fazer um seguro de vida? Apesar da Declaração Universal
sobre Bioética e Direitos Humanos (2005) que estabelece, no seu artº 11, a “Não
descriminação e não estigmatização” de nenhum indivíduo ou grupo. Em Portugal,
a Constituição da República consagra no artº13/2 que “ninguém pode ser
privilegiado, beneficiado, prejudicado, privado de qualquer direito ou isento
de qualquer dever em razão do seu património genético (pg. 142). Talvez
a ficção científica espreite a realidade ao virar da esquina. Escolher a cor
dos olhos dos filhos, o sexo ou a cor da pele pode estar ao alcance de qualquer
um dentro de poucos anos. A importância da descoberta de Watson e Crick é
indiscutível, mas trouxe novos desafios à humanidade. “Genética Para Todos” é
um livro indispensável que proporciona uma visão pertinente sobre a ética e o
inevitável progresso científico.
António
Vilhena
(Crónica publicada no Diário de Coimbra).
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