Fabio
Schvartsman é o atual presidente da empresa VALE, S.A., desde 2017, e não
morreu em Brumadinho. O município que fica no estado de Minas Gerais,
localizado na Região Metropolitana de Belo Horizonte, com uma população de
aproximadamente 40 000 habitantes, o equivalente à Freguesia de S. António dos
Olivais, em Coimbra, viu morrer 177 dos seus filhos e 133 estão ainda
desaparecidos. A dor imensa é sentida por muitas famílias. Algumas foram engolidas
pelas lamas. A tragédia não tem nome, é tragédia, mas todos sentimos que a
morte nestas circunstâncias exige outras palavras: revolta, raiva e protesto. A
responsabilidade parece morrer solteira, mais uma vez, tal como aconteceu com a
barragem em Mariana.
É criminoso tudo o que sabemos sobre as condições de
segurança da barragem, desde ocultação de informação, falsificação de
relatórios, falsas peritagens e cumplicidade entre técnicos e administração. É
o capitalismo selvagem, a corrupção e o compadrio na sua expressão máxima. O
silêncio foi sempre a regra de ouro da VALE, inclusive, quando foi preciso dar
o alerta do rompimento da barragem. Segundo documento interno da empresa
mineira, o alerta teria salvado 150 pessoas. Mas o presidente, Fabio Schvartsman,
mentiu quando afirmou que as sirenes foram engolidas pelas lamas. Estão, ainda,
intactas, só não foram acionadas, como comprovaram investigações posteriores à
tragédia. Pese embora as recomendações da empresa alemã TÜV-SÜD, que detetou
problemas, os engenheiros da VALE atestaram que a segurança da barragem era
boa.
O
que fica da tragédia de Brumadinho? Ficam os mortos e os desaparecidos. Uma
região sepultada pela lama onde só nasce a revolta; fica uma dor coletiva
incomensurável; fica o desejo de que a Justiça seja cega. Mesmo assim, há
gestos que falam de corações duros e insensíveis. Quando em Brumadinho foi
pedido um minuto de silêncio pelas vítimas, o presidente da VALE, Fabio
Schvartsman, foi a única pessoa que não se levantou. Por outro lado, o poeta
Carlos Drummond de Andrade (1902-1987), escreveu um poema, em 1984, onde falava
“profeticamente” e abordava a paisagem e as águas do Rio Doce destruído pelas
lamas: I O Rio? É doce. // A Vale? Amarga. // Ai, antes fosse // Mais leve a
carga. II Entre estatais // E multinacionais, // Quantos ais! // III A dívida
interna. // A dívida externa // A dívida eterna. // IV Quantas toneladas
exportamos // De ferro? // Quantas lágrimas disfarçamos // Sem berro?
Sim,
os gritos e o desespero são sufocados por mães, pais, filhos e irmãos. Imagino
um monumento com os nomes do Ricardo, do Henrique, do Veppo, do Lara, da Joana,
do Miguel, da Rosa, da Cláudia, do José, do Artur, do Aprígio, da Graça, do
Hipólito, da Catarina, do Raposo, do Tavares e de tantos outros a que as
famílias não conseguiram dar sepultura. Na imensa vala de lama não crescem
flores, apenas ervas daninhas. Perante uma tragédia desta dimensão, o gesto do
presidente da empresa VALE, Fabio Schvartsman, ao não levantar-se para prestar
homenagem aos mortos numa sessão pública, revela uma inqualificável arrogância
e falta de sensibilidade – é o que Hannah Arendt (1906-1975) chamou de
“banalidade do mal”.
António
Vilhena
(Crónica publicada no Diário de Coimbra)
Foto: Lula Marques
Foto: Lula Marques
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