terça-feira, 26 de fevereiro de 2019

JOSELIA AGUIAR: LITERATURA E RESISTÊNCIA.

Joselia Aguiar é jornalista, mestre e doutoranda em História (USP). Nasceu em Salvador e está radicada em São Paulo. No jornal Folha de S. Paulo, trabalhou como redatora, repórter, colunista de livros e correspondente em Londres. Editou EntreLivros, revista mensal de livros, e foi curadora da Festa Literária Internacional de Paraty – FLIP, em 2017 e 2018. É autora de Jorge Amado - uma biografia (2018), que saiu pela editora Todavia.
Foi recentemente convidada para assumir o cargo de Diretora da Biblioteca Mário de Andrade da Prefeitura de São Paulo. É, ainda, Curadora de literatura do Centro Cultural São Paulo. Entrevistamos Joselia Aguiar, uma das mulheres mais influentes da cultura de São Paulo, e, quiçá, do Brasil, que não hesita em afirmar que “o Ministério da Cultura foi um dos comemorados ganhos do início da redemocratização” mas que “o atual governo não valoriza as artes, a cultura, os direitos humanos, o meio ambiente.”

1 - O Brasil vive tempos difíceis, e há um certo passado que parece ter pressa em ganhar posição. Apesar desta percepção - de quem vive na Europa -, a Cultura continua a ser a resistência da esperança?
Não tenho dúvida disso, e creio que a trajetória de Jorge Amado nos pode confirmar.  Trata-se de um espaço de abertura para o outro,  suas belezas e dores, um espaço de exercício do humanismo.  É uma coincidência que, após sete anos de trabalho nessa biografia, sua publicação ocorra agora, quando mais se precisa resistir à barbárie.

2 – Tem o escritor Jorge Amado tatuado na sua respiração. Encontra nalguma das suas obras semelhança com o momento que se vive atualmente no Brasil?
Infelizmente, encontro sim.  Em diversos momentos da história brasileira, somos rondados pelo autoritarismo, e o racismo nunca deixou de ser um grande problema a enfrentar. Talvez mais que antes estamos tentando avançar, e por isso mesmo ocorrem esses movimentos reacionários. São uma reação aos avanços.
3 – Você conheceu Jorge Amado? Escrever uma biografia é um exercício de exaustão, requer disciplina. Qual é a sensação, após alguns anos de trabalho, e da materialização de um livro incontornável, já aclamado pela crítica?
Muito obrigada pela apreciação!  Sempre soube da imensa responsabilidade que tinha. Foi cansativo, e apesar de ter se alongado muito, eu sabia que em algum momento chegaria ao fim. As sensações são variadas, a mais significativa é quando alguém que não conheço me procura para comentar o livro, dizer que aprendeu ou se emocionou com esta ou aquela passagem.

 4 – Foi Curadora da FLIP entre 2017 e 2018. Foi uma experiência marcante. A sua Curadoria deixou um legado de inclusão e de género, ganhou novos públicos. Quer falar-nos desse arco cultural de diálogo entre as Artes?
Desejei aumentar o espaço dos debates sobre literatura, e a ampliação de repertório e da pluralidade de autores e autoras era parte disso, parte de conhecer vozes, geografias e culturas que nos ajudariam a ter mais literatura. Creio que é um caminho irreversível, as curadorias brasileiras, não só de literatura, mas de todas as artes têm trilhado esse caminho.
5 – Está a fazer o doutoramento sobre os diálogos literários e políticos do baiano Jorge Amado com outros escritores da América hispânica, numa altura em que o Brasil não tem um Ministério da Cultura. O que é que significa o Brasil não ter um Ministério da Cultura?
Recuamos muito, pois o Ministério da Cultura foi um dos comemorados ganhos do início da redemocratização. O atual governo não valoriza as artes, a cultura, os direitos humanos, o meio ambiente. É hora de nós, cidadãos, nos unirmos apesar das diferenças ideológicas, porque esse cenário que se apresenta não é de diferença entre conservadores ou progressistas, é algo aterrador, reacionário, que nos põe em risco a todos.


JORGE AMADO, PARIS | 1948. 



Entrevista: António Vilhena e Angel Machado.

1 comentário:

  1. Sem dúvida que um exercício de inteligencia, como o é a proposta de uma entrevista com uma mulher desta qualidade cultural, só poderia resultar numa conversa inteligente. Fiquei com vontade de ter mais para ler e isso é muito bom. Parabéns Vilhena.

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