terça-feira, 9 de abril de 2019

O palácio de Fídias.


Madona tem o meu palácio para receber todos os seus cavalos, inclusive, os que são à prova de cheiro, sem ferraduras e trapezistas treinados para não exercitarem o coice. Ofereço-lhe ainda uma espécie de passaporte especial, um livre-trânsito para cavalos, como o que Bolsonaro ofereceu a Trump para os americanos. As lamúrias de Madona, as queixas por tamanha ingratidão, comoveram-me. Eu gosto de Madona, gosto mesmo, sempre que posso vou ver os seus concertos – guardo todos os bilhetes como um bom fã. Acho que Madona tem grande responsabilidade no fluxo de turistas que descobriram Portugal. Só por isso é merecedora de uma comenda. Há uns anos ninguém imaginaria que Madona viveria em Portugal. Seria chamado de louco o que se atrevesse a colocar essa hipótese. 

A “rainha da pop” está triste e pensa abandonar o país, porque o Presidente da Câmara de Sintra impediu que um cavalo entrasse num palácio com 115 anos. O cavalo estava no guião para o seu novo videoclip. O peso do cavalo e o piso de madeira do palácio não são compatíveis – eis a razão para tamanho impedimento! A idade do palácio não deve ter sido o motivo principal. A idade dos palácios conta para estas modernices. Vejamos o que aconteceu com o Pártenon. Foi construído entre 480 e 323 a. C, em Atenas, durante o reinado de Péricles. Mas durante o cerco dos venezianos que atacaram Atenas, em 1687, os otomanos usaram o edifício como paiol de pólvora. 

O resultado foi catastrófico: explodiu e caiu a cobertura e 28 colunas. Quando Péricles convidou o maior escultor grego, Fídias (490 – 432 a.C.) como responsável por esculpir o friso do Pártenon com 160 metros e 378 figuras, entre as quais belos cavalos, nomeadamente, no friso ocidental, não era expectável que cavalos e pólvora cultuassem Atena. O Cavalo de Tróia ditou a orientação da guerra a favor dos gregos. Nesta contenda de Madona e Prefeito não sabemos como vai acabar, mas sabemos que não se pode agradar a gregos e a troianos. Imaginemos um elefante numa loja de cristais da Vista Alegre? Não é fácil. Coloquemos a hipótese de Madona querer colocar um cavalo na Biblioteca Joanina da Universidade de Coimbra. Há limites e o “dinheiro não paga tudo”. 

Vou convidar Madona para um evento literário. Não se riam. Acho que ela vai aceitar. Conheço palácios, onde os responsáveis deixam entrar uma manada de cavalos a troco de uma selfie. Não menorizem a inteligência de Madona com esta história do cavalo. Ela conhece o mundo, é culta, sabe onde está e conhece a história de Portugal. Este episódio do cavalo não passa de um golpe de marketing. A culpa foi do agente que lhe prometeu meter um cavalo no palácio onde iam decorrer as filmagens. Madona admirará ainda mais Portugal por defender o seu património. O que esta situação revela é que há uma consciência coletiva de defesa da história e da memória. Os gatos continuarão a gostar de telhados de zinco, mas cada vez há menos telhados para esse tipo de gatos. Uma coisa é certa, o palácio será mais visitado e terá como ex-libris um cavalo à porta. 

Com sorte os burros do Bom Jesus de Braga serão promovidos e a habitual viagem turística fará parte do cardápio das próximas eleições europeias. A visão europeísta do que é nosso traz-nos à memória a ironia daqueles que, ao longo dos tempos, usaram a sátira como arremesso na defesa da pátria: Rafael Bordalo Pinheiro. Portugal não é “só três sílabas, / linda vista para o mar (…), como escreveu O’Neill; é o “um cântico da terra e do seu povo, / nesta invenção da humanidade inteira / que a cada instante há que inventar de novo (…) ”, segundo Jorge de Sena. Somos a pátria que canta os poetas e as tragédias, as viagens por outros mares com Magalhães e Cabral; que renasce depois da treva e celebra a liberdade com a emoção universal: alegria. 

Somos o pergaminho que herdámos da Grécia, daqueles que ousaram vencer Dario em Salamina. Madona devia ter solicitado aos atenienses o Pártenon para se filmar com o seu cavalo no novo videoclip. Quase que adivinho a resposta. Se alguma coisa aprendemos com a história, é com o que aconteceu ao Pártenon. Os estilhaços das pedras são lágrimas de Fídias, de Ictinos e Calícrates. “O palácio de Fídias” é a metáfora do que resiste ao tempo: a pedra e o simbólico. Madona é o Pártenon da pop, mas as suas esculturas, talvez, não resistam ao tempo como os frisos de Fídias.



António Vilhena



(Crónica publicada no Diário de Coimbra).

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