sexta-feira, 3 de novembro de 2017

"Umas dicas para ser escritor"


Hoje, no final de uma sessão de autógrafos, um menino, de 8 ou 9 anos, abeirou-se de mim e disparou:
- Eu quero ser escritor e precisava de umas dicas.
Dito assim, sem preparação, precisei de ganhar tempo, senti que o menino precisava de uma daquelas respostas que justificassem ter substituído o recreio pelas minhas palavras. Há uma grande diferença entre escrever livros e ser escritor. Para se ser autor basta escrever livros, mas para se ser escritor é necessário ter pensamento, ser um livre-pensador, exercer a sua função social, ser comprometido com a estética ou com a semântica, deixar uma tatuagem nas vidas dos leitores. Ser escritor é atravessar o seu tempo, interpelando e fazendo perguntas difíceis. Escrever dá muito trabalho, é um exercício diário que exige muita disciplina e determinação.
Mas o pequeno Ricardo pediu-me apenas umas dicas. No momento de lhe responder lembrei-me de uma afirmação de Gabriel Garcia Marques quando afirmava que “ser jornalista era uma paixão insaciável”. Como dar umas dicas ao pequeno Ricardo?
 - É preciso ler muito e ter um caderninho para apontar as boas ideias e escrever histórias.
Lá foi abanando a cabeça, mas lembrei-me que Gabo defendia que as melhores histórias são aquelas que resgatamos à realidade.
O pequeno Ricardo agradeceu-me com um olhar assertivo, enquanto o som da campainha anunciava o fim do recreio. Depois saiu a correr, lembrando-me que os sonhos são vorazes, mas a brincadeira não pode esperar.

                                                                                                                       
                                                                                                                                        António Vilhena


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