quinta-feira, 24 de janeiro de 2019

Misérias de caráter.


Goya, "Os fuzilamentos de 3 de Maio de 1808".
“Não peças a quem pediu, nem sirvas a quem serviu”- diz o povo. Não há nada mais miserável do que alguém ostentar as suas próprias misérias de carácter quando exerce o “músculo”. Natália Correia gostava de virar o esqueleto dos que lhe acenavam com perfumes baratos e má poesia, usava o chicote da indiferença e subia ao escárnio para ver “os subalimentados do sonho”.

Todos nós conhecemos histórias tristes, de gente triste que entristece, porque não sabe, não pode e não tem competências para gerar consensos – é a amargura num cálice de medo. Soube recentemente que um amigo foi impedido de ir às aulas de doutoramento por quem manda, apesar de ser cumpridor, trabalhar, trabalhar, trabalhar…. Ter-lhe-ão dito: “ou estuda ou trabalha”.

Não quero trazer aqui o que diz o espírito da lei e a interpretação da mesma. O que me interessa é exaltar esse amigo, homem de bons costumes, educado e de trato irrepreensível, que ousa saber mais para devolver ao bem comum o conhecimento. Este caso lembra-me o Princípio de Peter (supercompetente, competente, incompetente). O meu amigo costuma dizer, com algum humor, que ainda há-de ver um sapo cantar, tantas serão as pedras que “essa pessoa” ainda vai encontrar ao longo da vida.

O sacrifico por boas causas enobrece o Homem; a tolerância traz o conhecimento e a pluralidade; a ignorância traz o medo e a violência. Os arriscados e disfóricos investimentos nas relações humanas tem normalmente juros muito elevados: acabam a falar sozinhos e despendem-se com uma chuva de ódios. Nada é eterno e, pior do que isso, uma pessoa triste, assim, não pode ser outra coisa, senão, um cálice de amargura.


António Vilhena

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