Por
que demoram tanto a dizer a verdade, a serem transparentes, a conjugarem as
palavras com a vida, a reconhecerem que há má vontade e que há outras agendas
que ocultam prioridades que não contemplam as pessoas?
Por
que razão a hipocrisia é tão sinistra quando se trata de olhar os olhos dos que
sofrem e precisam?
Por
que fingem não ouvir os gritos que atravessam as paredes e estilhaçam os vidros
duplos das janelas?
Por
que são feitos de verniz os lábios que ofendem e insultam a dignidade,
silenciando-se perante os apelos que atravessam as noites frias?
Por
que falam sempre dos pobres os que regressam dos festins, bêbados e pançudos,
e, às vezes, até falam de Deus, como se precisassem de certas palavras para
adormecerem?
Por
que acordam cedo os que dormem na rua e os senhores de poderes alados falam no
altar da neve onde o verão parece ter nascido?
Por
que precisam de renascer tantas vezes os que precisam de viver os anos que os
tubarões vivem a dobrar?
Por
que é preciso ser tolerante com quem é míope quando a miséria dorme à sua
porta?
Por
que nascem fardas e balas onde havia flores e escolas, onde havia cotovias e
melros nos caminhos de terra fértil?
Por
que fazem acreditar que a crosta terrestre tem dono, herdeiros e feitores das
pedras?
Por
que somam os dias para acrescentarem as estrelas ao seu património e asfixiarem
o ar e as pastagens?
Ah!
E as rosas que hão-de perfumar os corpos funestos como há milhares de anos. Ide
ler a Ilíada de Homero, esse poema que inspirou Alexandre, e que lia todas as
noites antes de adormecer. Ide estudar os heróis de Troia – os gregos e os
troianos -, para aprenderem que a dor é universal e proporcional à soma da dor
da alma e da carne.
António Vilhena
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