sexta-feira, 19 de outubro de 2018

Carta a Manuel Monteiro.



Amigo e camarada de velhas lutas e utopias que ainda fazem sentido. Escrevo-te porque me sinto em falta com a memória e com o inesperado encontro que a poesia nos facultou na Festa Literária FOLHA Curia`18. Durante anos senti que te tinha perdido, que o teu nome era uma inscrição na memória de adolescente, que o abraço que me deste na Voz do Operário, em Lisboa, quando Arafat estava refém das armas de Israel, tinha sido um verso perdido na emoção do momento. Como estava enganado! A palavra juntou-nos num abraço longo e sentido na manhã dos Poetas Ensonados. Foi bonito reconhecer-te ao longe entre a folhagem. O teu passo era lento mas seguro. Abrimos os braços como velhos amigos separados por um rio que derrama as suas águas. Foi preciso esperar algumas dezenas de anos para que o leito do rio nos permitisse reencontrar a lágrima indomável da memória. 
Gostava de te dizer que me emocionas sempre, há em ti o prodígio dos que resistiram sem pedir nada em troca, o olhar licoroso da amabilidade e a simpatia dos homens generosos que reconhecem nos seus irmãos a fraternidade sem acrimónia. Reencontrar-te foi uma espécie de regresso de Ulisses a Ítaca, entre a esperança e o testemunho do uivo dos lobos. Sei que a tua coluna já não pode transportar as caixas de livros, que a tua Feira da Ladra ficou triste e que os teus velhos livros trazem muita histórias e cansaços. Não falámos de política, não ousámos resgatar as velhas palavras dos "ismos" ao baú, mas vivemos o humanismo da "poesis" herdada dos gregos, do arquitecto Vitrúvio, construtor de templos intemporais. Agora, recordo-te no palco entre poetas, oiço-te com a tua voz grave e rouca içar um véu de perfume sedutor. Agora, recordo-te seguro das verdades universais e das dúvidas sem idade. 

Se te escrevo, desta maneira, quase privada, é para que saibam que existes na tua insubmissa inquietação. A mesma que nos trouxe de longe, como canta José Mário Branco. Estou feliz por te ter reencontrado, onde a palavra nos convoca, onde a natureza nos interpela, onde a solidariedade nos ensina a agigantar-nos nas fragilidades. Porque é justo dizê-lo, foi a poesia da humanidade que nos juntou onde as palavras perdidas tinham quebrado os nós, foi a esperança que se soltou da Caixa de Pandora, pela mão de Prometeu, que se cumpriu o nosso abraço.

António Vilhena

sábado, 6 de outubro de 2018

A fobia dos lobbies.


Não sei se sentem o mesmo que eu, mas há uma atmosfera poluída que teima assemelhar-se aos tempos do antigamente, onde qualquer sombra era suficiente para denunciar a mosca que persiste no voo. Há uma transumância de fação que nos quer encurralar, escolhe-nos as palavras, as frases que entendem que devemos usar, porque nos querem impor a sua visão das igualdades. E a moda está a pegar como se isso fosse uma receita divina, a voz absoluta do Areópago.

Os defensores oficiosos das "denúncias" sem julgamento são os mesmo que afunilam a democracia, mesmo que digam o contrário, mesmo que façam manifestações e pintem os rostos. Nunca precisei de certos movimentos para defender as igualdades, nem de certos "ismos", para denunciar os que se escondem no aburguesamento da família para serem de esquerda. Respira-se um certo medo de dizer algumas coisas, com as palavras vernáculas, com o português dos avós, porque os meninos e as meninas com sotaque se ofendem.

Apetece-lhes servir um Mário Viegas ao pequeno-almoço, ou um José Vilhena. A hipocrisia cresce na meta-linguagem de certos interesses puristas, de certos grupos e lobbies que descobriram que defender os grilos pode ser um bom negócio. Os que lutaram contra o racismo, contra as ditaduras, os que lutam pela dignidade humana sem pensarem no género, os que defendem a liberdade de expressão, este fio condutor da dignidade humana merece-me toda a admiração. Vivemos tempos de fobias. O Papa Francisco é uma grande inspiração quando tudo parece reduzido a ser tudo ao mesmo tempo. 

António Vilhena