sábado, 16 de dezembro de 2017

O país de saltos altos.



O caso Raríssimas serve para muitas reflexões, mas os mesmos do sistema teimam em manipular o ângulo da objectiva. Eu não sei se as gambas e os vestidos de Paula Brito lhe retiram o estatuto de “uma grande mulher” pelo que fez na instituição, eu não sei se o caso surge numa altura em que a Altice se prepara para comprar a TVI e o governo torce o nariz, eu não sei se aqueles que denunciaram a situação fizeram tudo o que deviam quando exerciam funções na mesma instituição. Eu tenho as maiores dúvidas e a única linha que me guia é a da ética republicana: servir e não servir-se.

Mas este país de saltos altos é histriónico e corporativo, grita quando uma mosca pousa no bolo e cala-se quando o pasteleiro tira macacos do nariz; fica enfurecido, as “tias” rosnam quando as sombras das suas frustrações lhes tomam os passos, escrevem contra um ministro e a uma juíza que não pensam da mesma maneira, insultam, julgam-se donas da verdade e funcionam como casta superior. Mas não as vejo com a mesma indignação contra os que defraudaram os portugueses no caso BES, não as vejo com a mesma argumentação contra os que prestam assessorias na Raríssima e outras instituições como a EDP e Fundações, em que uma senha de presença vale tanto como metade do ano do ordenado da maioria dos portugueses. Estas “tias” pensam que o país é o Terreiro do Paço, mas, a maioria delas, nem sabe qual é a pata direita do cavalo de D. José.

A gritaria ensurdecedora e a fulanização de Paula Brito ameaçam fazer esquecer que a Raríssimas precisa de continuar, que há quem investigue as irregularidades e, em última instância”, os tribunais cumprirão o seu dever. O manto de suspeição que se respira, e que não deve ser generalizado, exige uma resposta rápida. O país não suporta mais o coro das “tias” que nos querem obrigar a andar de saltos altos.
António Vilhena

                                                                                                                       

sexta-feira, 8 de dezembro de 2017

Mostrar os dentes.


A maioria das pessoas que publica fotografias nas redes sociais preocupa-se em mostrar que está feliz. Neste mundo onde o efémero parece imperar, o que domina é o que parece, não o que se é ou se sente, mas uma fictícia felicidade que serve para alimentar a rede de ilusões. As poses que transmitem uma ideia de felicidade, mesmo naquelas pessoas que estão muito infelizes, são as que se mostram, cresce uma ideia de bem-estar a qualquer preço, desde que isso sirva para engordar a nuvem de uma vida virtual. As pessoas mais felizes procuram salvaguardar a sua privacidade, escolhem os momentos de interesse pessoal ou social, porque aprenderam que o melhor das suas vidas é privilégio da discrição. A inveja e outras dores de cotovelo revelam inimigos sem escrúpulos, gente ferida na sua autoestima que encontra nos outros o alvo das suas frustrações.

A necessidade de parecer feliz deu lugar ao parecer, a uma mentira colectiva. Há uma presunção de bem-estar embriagante que mais parece um laboratório de sugestão, convidando os pacientes a representarem. Mostrar os dentes ajuda a conquistar “amigos”, a influenciar expectativas, a dissimular fragilidades. A tendência parece ser “pôr a máscara” e fechar a porta à autenticidade. Mas todos sabemos que nada pode esconder o que somos, o tempo encarrega-se de desconstruir a teia que traz os fantasmas e outros minotauros à inquietação da vida. Mais vale ser do que parecer, ao menos os dentes servem para comer.



António Vilhena