O
poeta João José Cochofel nasceu em Coimbra a 17 de Julho de 1019. Passam, por
isso, este ano, cem anos do seu nascimento. Sabe-se ainda pouco sobre este
homem que morou na Rua Doutor João Jacinto, em Coimbra, na Casa do Arco, ali
perto da Sé Velha, em frente à Torre de Anto, associada a outro poeta, António
Nobre, autor do “livro mais triste de Portugal”, SÓ. É preciso que se conheça
este homem generoso que defendia com a mesma determinação as pessoas, os
animais e as árvores. Nasceu no seio de uma família aristocrata, o seu bisavô,
o Doutor João Jacinto, era lente de medicina, pessoa muito respeitada e
reconhecida em Coimbra e no país, tendo sido homenageado em diversas
circunstâncias.
A Casa do Arco, proprietária dos Viscondes do Espinhal, foi
comprada em 1883 pelo seu bisavô, tendo permanecido como a casa da família até
2003, em que foi adquirida pela Câmara Municipal de Coimbra, tendo sido
requalificada em 2010, e devolvida à cidade como espaço cultural, conhecida,
hoje, como Casa da Escrita. O poeta João José Cochofel faleceu, em Lisboa, com
63 anos (1919-1982). Mas que importância tem este poeta? Para Coimbra tem uma
relevância extraordinária, porque foi cúmplice da utopia de um coletivo de
homens empenhados que viviam na cidade com ligações estreitas a outros
escritores que prosseguiam uma transformação da sociedade. E era na sua casa,
na rua com o nome do seu bisavô, João Jacinto, que se encontravam Joaquim
Namorado, Fernando Namora, Afonso Duarte, Carlos de Oliveira, Álvaro Feijó,
Vitorino Nemésio, Fernando Lopes Graça, José Gomes Ferreira, Mário Dionísio,
Eduardo Lourenço, Mário Soares e Maria Barroso.
Esta
geração de homens, com sólida formação social, frequentavam a casa do poeta,
unidos e empenhados, através das Artes, nomeadamente, da Literatura, em operar
um debate de ideias que mudasse a situação em Portugal. Para isso recorreram à
edição de livros e de revistas. João José Cochofel foi um dos principais
responsáveis e fundadores das revistas Vértice, Presença, Altitude, Seara Nova
e Gazeta Musical e de Todas as Artes. Integrou a geração de escritores do
neorrealismo como poeta e crítico. Foi muito mais do que isso, foi um fraterno
anfitrião do aconchego, acolheu na sua casa amigos e próximos, não lhes
regateando o essencial, principalmente, a solidariedade da família.
A Academia
sabia onde o encontrar para ouvir os seus conselhos ou para solicitar a sua
disponibilidade para as suas lutas. A sua ligação muito forte a Joaquim
Namorado, referência política e ideológica de uma geração comprometida, haveria
de condicionar a sua poesis, através de uma certa cortina dual que se antecipa
no seu livro “Emigrante Clandestino” (1965). A ainda difusa inquietação do Eu
poético surge nos versos “Vem aí a manhã / Para que quero eu / a manhã que
vem?”.
O poeta, segundo Fernando Guimarães, fez a sua iniciação no número 52
(Julho de 1938) da revista Presença com três poemas: “Posse”, “Paraíso Perdido”
e “Tardes”. Curiosamente, apenas “Paraíso Perdido” não foi excluído do seu
filtro, tendo sido publicado em “Búzio” (1940), com pequenas alterações. João
José Cochofel reuniu as suas obras poéticas em “46º Aniversário” e “O Bispo de
Pedra”. Assim, em “46º Aniversário” temos: “Instantes” (1937), “Búzio” (1940),
“Sol de Agosto” (1941), “Os Dias Íntimos” (1950), “Quatro Andamentos” (1964) e,
ainda, o inédito “Emigrante Clandestino” (1965). Em “O Bispo de Pedra” agrupou as obras “Uma
Rosa no Tempo” (1968) e “Água Elementar” (1975). O livro de “Críticas e
Crónicas” (1982), é publicado no ano da sua morte.
É obrigatório lembrar a
coleção de livros com orientação estética neorrealista, chamada Novo
Cancioneiro, que foi editada em Coimbra entre 1941 e 1944: “Terra” (1941), de
Fernando Namora; “Poemas” (1941), de Mário Dionísio; “Sol de Agosto” (1941) de
João José Cochofel; “Aviso à Navegação” (1941), de Joaquim Namorado; “Os
Poemas” (1941), de Álvaro Feijó; “Planície” (1941), de Manuel da Fonseca;
“Turismo” (1942), de Carlos de Oliveira; “Passagem de Nível” (1942), de Sidónio
Muralha; “Ilha de Nome Santo” (1942), de Francisco José Tenreiro e “A Voz que
Escuta” (1944), poemas póstumos de Políbio Gomes dos Santos. Foi esta geração
que modelou a vida e a obra do poeta de que se comemora o centenário do seu
nascimento. Deram expressão a uma literatura de sopro marxista, opondo-se a uma
claustrofobia social. José João Cochofel foi um dos mais puristas da língua,
exercitando a lapidação da palavra poética, “depurando o discurso” e oferecendo
ao leitor uma luz onde a transparência da modernidade deixava adivinhar uma
intimidade quase clandestina.
Na biblioteca de Cochofel era fácil encontrar
quase tudo, talvez, por isso, a sua imensa cultura e conhecimento sobre o que
se escrevia e pensava na Europa, permitia-lhe que “estivesse na posse dos
segredos do respetivo fabrico”, praticando um humanismo num vocabulário que o
levaria à “descoberta que a arte implica”. O poeta perseguia a estética em
busca da “Água Elementar”, a trilogia: melodia, ritmo e acompanhamento. Resgato
um fragmento do poema excluído “Cidade provinciana”: Há belezas inexprimíveis /
nesta cidade provinciana. // É nesta cidade que hoje me enternece / e outras
vezes me enche de tédio, / de revolta. // Que poesia / entretanto existe / nas
coisas nulas!
António Vilhena
Sem comentários:
Enviar um comentário