Madona
tem o meu palácio para receber todos os seus cavalos, inclusive, os que são à
prova de cheiro, sem ferraduras e trapezistas treinados para não exercitarem o
coice. Ofereço-lhe ainda uma espécie de passaporte especial, um livre-trânsito
para cavalos, como o que Bolsonaro ofereceu a Trump para os americanos. As
lamúrias de Madona, as queixas por tamanha ingratidão, comoveram-me. Eu gosto
de Madona, gosto mesmo, sempre que posso vou ver os seus concertos – guardo
todos os bilhetes como um bom fã. Acho que Madona tem grande responsabilidade
no fluxo de turistas que descobriram Portugal. Só por isso é merecedora de uma
comenda. Há uns anos ninguém imaginaria que Madona viveria em Portugal. Seria
chamado de louco o que se atrevesse a colocar essa hipótese.
A “rainha da pop”
está triste e pensa abandonar o país, porque o Presidente da Câmara de Sintra
impediu que um cavalo entrasse num palácio com 115 anos. O cavalo estava no
guião para o seu novo videoclip. O peso do cavalo e o piso de madeira do
palácio não são compatíveis – eis a razão para tamanho impedimento! A idade do
palácio não deve ter sido o motivo principal. A idade dos palácios conta para
estas modernices. Vejamos o que aconteceu com o Pártenon. Foi construído entre
480 e 323 a. C, em Atenas, durante o reinado de Péricles. Mas durante o cerco
dos venezianos que atacaram Atenas, em 1687, os otomanos usaram o edifício como
paiol de pólvora.
O resultado foi catastrófico: explodiu e caiu a cobertura e
28 colunas. Quando Péricles convidou o maior escultor grego, Fídias (490 – 432
a.C.) como responsável por esculpir o friso do Pártenon com 160 metros e 378
figuras, entre as quais belos cavalos, nomeadamente, no friso ocidental, não
era expectável que cavalos e pólvora cultuassem Atena. O Cavalo de Tróia ditou
a orientação da guerra a favor dos gregos. Nesta contenda de Madona e Prefeito
não sabemos como vai acabar, mas sabemos que não se pode agradar a gregos e a
troianos. Imaginemos um elefante numa loja de cristais da Vista Alegre? Não é
fácil. Coloquemos a hipótese de Madona querer colocar um cavalo na Biblioteca
Joanina da Universidade de Coimbra. Há limites e o “dinheiro não paga tudo”.
Vou
convidar Madona para um evento literário. Não se riam. Acho que ela vai
aceitar. Conheço palácios, onde os responsáveis deixam entrar uma manada de
cavalos a troco de uma selfie. Não menorizem a inteligência de Madona com esta
história do cavalo. Ela conhece o mundo, é culta, sabe onde está e conhece a
história de Portugal. Este episódio do cavalo não passa de um golpe de
marketing. A culpa foi do agente que lhe prometeu meter um cavalo no palácio
onde iam decorrer as filmagens. Madona admirará ainda mais Portugal por
defender o seu património. O que esta situação revela é que há uma consciência
coletiva de defesa da história e da memória. Os gatos continuarão a gostar de
telhados de zinco, mas cada vez há menos telhados para esse tipo de gatos. Uma
coisa é certa, o palácio será mais visitado e terá como ex-libris um cavalo à
porta.
Com sorte os burros do Bom Jesus de Braga serão promovidos e a habitual
viagem turística fará parte do cardápio das próximas eleições europeias. A
visão europeísta do que é nosso traz-nos à memória a ironia daqueles que, ao
longo dos tempos, usaram a sátira como arremesso na defesa da pátria: Rafael
Bordalo Pinheiro. Portugal não é “só três sílabas, / linda vista para o mar
(…), como escreveu O’Neill; é o “um cântico da terra e do seu povo, / nesta
invenção da humanidade inteira / que a cada instante há que inventar de novo
(…) ”, segundo Jorge de Sena. Somos a pátria que canta os poetas e as
tragédias, as viagens por outros mares com Magalhães e Cabral; que renasce
depois da treva e celebra a liberdade com a emoção universal: alegria.
Somos o
pergaminho que herdámos da Grécia, daqueles que ousaram vencer Dario em
Salamina. Madona devia ter solicitado aos atenienses o Pártenon para se filmar
com o seu cavalo no novo videoclip. Quase que adivinho a resposta. Se alguma
coisa aprendemos com a história, é com o que aconteceu ao Pártenon. Os estilhaços
das pedras são lágrimas de Fídias, de Ictinos e Calícrates. “O palácio de
Fídias” é a metáfora do que resiste ao tempo: a pedra e o simbólico. Madona é o
Pártenon da pop, mas as suas esculturas, talvez, não resistam ao tempo como os
frisos de Fídias.
António Vilhena
(Crónica publicada no Diário de Coimbra).