Aida Pires Branco Alves é a
Directora da Biblioteca Lúcio Craveiro da Silva, em Braga. Formou-se em
Português na Universidade do Minho (1991-1996). Depois disso, acrescentou
conhecimento e formações: Diploma de Estudos Avançados em "Métodos de
Investigação em Biblioteconomia", no âmbito do Programa de Doutoramento da
Universidade de Salamanca (2004); Pós-Graduação em Ciências Documentais,
realizado na Faculdade do Letras da Universidade do Porto (1997-1999), entre
outras. A imensa vontade de saber moldou-lhe o passo e o ritmo dos dias. Desde
2007, a sua visibilidade é incontornável, confunde-se com a Biblioteca Lúcio
Craveiro da Silva. Responsável por tudo o que ali acontece, sobressai uma
programação eclética, onde nada fica de fora. É a “Casa dos Saberes na Casa dos
Livros” numa cidade com imensa história. Aida Alves ainda orienta teses,
leciona e colabora em jornais e revistas. A Biblioteca Lúcio Craveiro da Silva
“chama” escritores, pintores, atores e artistas para alimentar o imaginário de
todos. Aida Alves é cronista no Correio do Minho, onde encontramos a voz das
bibliotecas. Quisemos conhecer melhor esta mulher/mãe que Braga reconhece pelo
trabalho, a ousadia, a independência e a paixão pelo mundo dos livros. Aqui ficam as respostas de Aida Pires Branco Alves.
1ª
Partilha da opinião que as bibliotecas são hoje as casas cívicas das sociedades
modernas? Porquê?
As
bibliotecas são para muitos cidadãos autênticas casas onde habitam diariamente entre
os livros, revistas, jornais, navegações pela Web, num ambiente tendencialmente
de socialização, entre conversas rotineiras sobre temas emergentes da sociedade,
troca de informações e experiências, partilha, onde há sempre lugar à
participação individual ou em grupo, em família, em atividades que enriquecem o
seu dia e espaço de conhecimento sobre o Mundo. O acesso às bibliotecas de
leitura pública faz-se de forma livre, igualitária, sem discriminação de
qualquer género. Todos são servidos da mesma forma, com a mesma atenção e
mediação, quer a criança, o jovem, o adulto, qualquer que seja a sua condição
académica, social, financeira, grupo social. As bibliotecas de leitura pública
fomentam a construção de uma cultura cívica participativa e no melhoramento dos
valores democráticos, liberdade, pluralidade e igualdade.
2ª
Quais os novos desafios que as bibliotecas enfrentam hoje?
Os
grandes desafios passam primeiramente pelo reconhecimento público da
importância das bibliotecas públicas junto dos seus territórios, pelo seu papel
de suporte à educação não formal, à investigação, à preservação do património
bibliográfico e da memória. Importante é o apoio político e financeiro que deve
existir permanentemente a estes equipamentos, concedido quer pela Administração
Central, quer Local, pois as bibliotecas são equipamentos culturais que devem
permanecer “vivos e mutáveis” pois precisam de estar atualizados e com pronta
resposta de serviços. A transformação das sociedades (modas, hábitos,
comportamentos, necessidades) deve refletir-se nas bibliotecas. Elas prestam
serviço público e esse deve ser sempre dignificado e mantido numa política de
qualidade. Para tal precisam de ser apetrechadas com fundo bibliográfico
diversificado tematicamente e atualizado mensalmente com novos títulos de
livros, revistas, jornais, CD de música, DVD filme, audiolivros. Deve
acompanhar as tecnologias de ponta. Todos os anos deverá atualizar-se no fundo
bibliográfico, em diferentes suportes e formatos (elivros, publicações digitais
em série, revistas, jornais). Acresce que vivemos num mundo onde a tecnologia
vive entre nós uma boa parte do dia, por força da informação atualmente ser
praticamente toda em suporte e formato digital. As bibliotecas têm de acompanhar os serviços
disponibilizados em smartphones
(telemóveis pessoais ligados à Internet), estar atenta aos serviços públicos
eletrónicos disponibilizados, conhecer e orientar utilizadores leitores para repositórios
institucionais, criar os seus próprios repositórios digitais de fundos locais,
criar plataformas de leitura de ebooks acessíveis, disponíveis para a
comunidade. Deve acompanhar as políticas nacionais e locais nas áreas da
cultura, educação e formação. São muitos desafios que as bibliotecas e quem as
gere deve acautelar.
3ª
A promoção do livro e da leitura sofreram um grande incremento com a Rede
Pública de Bibliotecas, o que falta fazer?
A
Rede Nacional de Leitura Pública foi uma das grandes revoluções culturais
levada a cabo há cerca de 33 anos pelo Estado português. O Estado mostrou interesse
em 1986 em definir e prosseguir uma política nacional de Leitura Pública. O
modelo de execução adoptado, traduzido no Programa Rede Nacional de Bibliotecas
Municipais, assentou no conceito de biblioteca pública definido pelo Manifesto
da UNESCO,
documento universal orientador do que se entende ser a biblioteca pública e a
política que deve presidir à sua criação e desenvolvimento, podendo afirmar-se
que o manifesto constituiu, e continua a constituir nos dias de hoje, um
instrumento base que sustenta a política de desenvolvimento das bibliotecas
públicas portuguesas. Atualmente a Direção-Geral do Livro, Arquivos e
Bibliotecas / Ministério da Cultura, tem incentivado as Autarquias e as
Comunidades Intermunicipais à criação de Grupos de Trabalhos de Profissionais
das Bibliotecas de Leitura Pública para reforçar laços de cooperação
territorial, partilha de recursos, assumindo uma maior escala regional e maior
impacto social. O acompanhamento por
parte da DGLAB tem sido muito positivo e de proximidade, revelando-se uma
mais-valia nos últimos dois anos. Falta mais reconhecimento público por parte
da comunidade do papel e importância das bibliotecas públicas para os cidadãos;
maior atuação de proximidade das bibliotecas junto das populações para as
sensibilizar e motivar para a importância da leitura, da escrita, da
comunicação, como fatores de desenvolvimento do pensamento crítico e formas de
integração social. Para isso há necessidade de haver equipas de trabalho nas
bibliotecas mais fortes e bem formadas, com a possibilidade de realizarem
serviços de extensão de biblioteca fora de portas. Paralelamente ao trabalho de
reconhecimento público, deve haver o reforço financeiro para dotar as
bibliotecas de serviços e espaços atrativos à população, qualquer que seja a
sua idade.
4ª
A Biblioteca Lúcio Craveiro da Silva recebeu uma
menção honrosa no Prémio Boas Práticas em Bibliotecas Públicas. Quer dar exemplos dessas boas práticas.
A Biblioteca Lúcio
Craveiro da Silva foi reconhecida no âmbito do Prémio de Boas Práticas em
Bibliotecas Públicas em 2018 por uma prática que tem levado a cabo há cerca de
3 anos com o grupo de investigação da Escola de Ciências da Universidade do
Minho, chamado Scientia.org.pt, onde se pretendem desenvolver competências
literácitas científicas nas crianças e nos jovens, com a marca e qualidade de
profissionais altamente qualificados, professores universitários. É uma ligação
muito profícua entre a Escola de Ciências da Universidade do Minho, a BLCS e a
Comunidade. O testemunho de Elvira
Coutinho, técnica da Biblioteca que acompanha esta atividade desde a sua
implementação “O
sucesso desta atividade deve-se essencialmente em despertar no público Infantil
o interesse pela cultura científica. Tem sido notável o crescente interesse em
participarem nesta atividade, não só pela sua importância, mas também
pela prática alegre, divertida e estimulante com que as professoras e os seus
alunos de licenciatura realizam a “Ciência p´ra que te quero”, em múltiplas
temáticas.”
5ª
Como vai ser a biblioteca do futuro?
Hoje
o panorama das bibliotecas públicas portuguesas é tendencialmente de existência
e comunhão com a sociedade envolvente. As bibliotecas públicas já vão servindo,
à sua escala de concelho, as suas comunidades. Estão instaladas em edifícios
novos ou requalificados, com equipamento adequado, fundos documentais atualizados,
pessoal minimamente qualificado, orientando-se pelos princípios da UNESCO e da
IFLA. A biblioteca do futuro deve ser o espelho do seu território, tornando-se
numa espécie de “camaleão” das sociedades atuais. Deve acompanhar as
macrotendências das tecnologias de informação e comunicação, as necessidades de
informação e de formação dos cidadãos. Colaborar no fecho de lacunas existentes
no suporte à investigação, ao estudo, à formação e educação, com o
enriquecimento de fundos bibliográficos. Ser parceiro ativo em redes
institucionais. Deve servir as
populações nos dois formatos analógico e digital, pois terá sempre de interagir
com discursos do passado, presente e futuro. Deve rever permanentemente a
conceção do espaço físico interior e exterior, com áreas físicas diferenciadas
para vários públicos e utilizações; ter pessoal especializado na área das
bibliotecas e documentação, da ciência da informação, infometria, das TIC,
repositórios digitais, da animação social e cultural, das media arts. A
Biblioteca deve ser espaço social, espaço de leitura individual e silenciosa, potenciar
áreas de estudo em grupo, de jogos e interação social entre indivíduos,
oferecer formações em várias áreas do saber, oficinas, palestras, oferecer
programas culturais ecléticos e ricos, com qualidade garantida. Deve
posicionar-se numa rede local de parceiros e contribuir de forma ativa para o
aumento dos níveis de literacias nas áreas da leitura, escrita, dos media,
científica.
Entrevista: António Vilhena e Angel Machado.
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