terça-feira, 12 de fevereiro de 2019

AIDA ALVES: A BIBLIOTECÁRIA DA INCLUSÃO.

Aida Pires Branco Alves é a Directora da Biblioteca Lúcio Craveiro da Silva, em Braga. Formou-se em Português na Universidade do Minho (1991-1996). Depois disso, acrescentou conhecimento e formações: Diploma de Estudos Avançados em "Métodos de Investigação em Biblioteconomia", no âmbito do Programa de Doutoramento da Universidade de Salamanca (2004); Pós-Graduação em Ciências Documentais, realizado na Faculdade do Letras da Universidade do Porto (1997-1999), entre outras. A imensa vontade de saber moldou-lhe o passo e o ritmo dos dias. Desde 2007, a sua visibilidade é incontornável, confunde-se com a Biblioteca Lúcio Craveiro da Silva. Responsável por tudo o que ali acontece, sobressai uma programação eclética, onde nada fica de fora. É a “Casa dos Saberes na Casa dos Livros” numa cidade com imensa história. Aida Alves ainda orienta teses, leciona e colabora em jornais e revistas. A Biblioteca Lúcio Craveiro da Silva “chama” escritores, pintores, atores e artistas para alimentar o imaginário de todos. Aida Alves é cronista no Correio do Minho, onde encontramos a voz das bibliotecas. Quisemos conhecer melhor esta mulher/mãe que Braga reconhece pelo trabalho, a ousadia, a independência e a paixão pelo mundo dos livros. Aqui ficam as respostas de Aida Pires Branco Alves.

1ª Partilha da opinião que as bibliotecas são hoje as casas cívicas das sociedades modernas? Porquê?
As bibliotecas são para muitos cidadãos autênticas casas onde habitam diariamente entre os livros, revistas, jornais, navegações pela Web, num ambiente tendencialmente de socialização, entre conversas rotineiras sobre temas emergentes da sociedade, troca de informações e experiências, partilha, onde há sempre lugar à participação individual ou em grupo, em família, em atividades que enriquecem o seu dia e espaço de conhecimento sobre o Mundo. O acesso às bibliotecas de leitura pública faz-se de forma livre, igualitária, sem discriminação de qualquer género. Todos são servidos da mesma forma, com a mesma atenção e mediação, quer a criança, o jovem, o adulto, qualquer que seja a sua condição académica, social, financeira, grupo social. As bibliotecas de leitura pública fomentam a construção de uma cultura cívica participativa e no melhoramento dos valores democráticos, liberdade, pluralidade e igualdade.

2ª Quais os novos desafios que as bibliotecas enfrentam hoje?
Os grandes desafios passam primeiramente pelo reconhecimento público da importância das bibliotecas públicas junto dos seus territórios, pelo seu papel de suporte à educação não formal, à investigação, à preservação do património bibliográfico e da memória. Importante é o apoio político e financeiro que deve existir permanentemente a estes equipamentos, concedido quer pela Administração Central, quer Local, pois as bibliotecas são equipamentos culturais que devem permanecer “vivos e mutáveis” pois precisam de estar atualizados e com pronta resposta de serviços. A transformação das sociedades (modas, hábitos, comportamentos, necessidades) deve refletir-se nas bibliotecas. Elas prestam serviço público e esse deve ser sempre dignificado e mantido numa política de qualidade. Para tal precisam de ser apetrechadas com fundo bibliográfico diversificado tematicamente e atualizado mensalmente com novos títulos de livros, revistas, jornais, CD de música, DVD filme, audiolivros. Deve acompanhar as tecnologias de ponta. Todos os anos deverá atualizar-se no fundo bibliográfico, em diferentes suportes e formatos (elivros, publicações digitais em série, revistas, jornais). Acresce que vivemos num mundo onde a tecnologia vive entre nós uma boa parte do dia, por força da informação atualmente ser praticamente toda em suporte e formato digital.  As bibliotecas têm de acompanhar os serviços disponibilizados em smartphones (telemóveis pessoais ligados à Internet), estar atenta aos serviços públicos eletrónicos disponibilizados, conhecer e orientar utilizadores leitores para repositórios institucionais, criar os seus próprios repositórios digitais de fundos locais, criar plataformas de leitura de ebooks acessíveis, disponíveis para a comunidade. Deve acompanhar as políticas nacionais e locais nas áreas da cultura, educação e formação. São muitos desafios que as bibliotecas e quem as gere deve acautelar.

3ª A promoção do livro e da leitura sofreram um grande incremento com a Rede Pública de Bibliotecas, o que falta fazer?
A Rede Nacional de Leitura Pública foi uma das grandes revoluções culturais levada a cabo há cerca de 33 anos pelo Estado português. O Estado mostrou interesse em 1986 em definir e prosseguir uma política nacional de Leitura Pública. O modelo de execução adoptado, traduzido no Programa Rede Nacional de Bibliotecas Municipais, assentou no conceito de biblioteca pública definido pelo Manifesto da UNESCO, documento universal orientador do que se entende ser a biblioteca pública e a política que deve presidir à sua criação e desenvolvimento, podendo afirmar-se que o manifesto constituiu, e continua a constituir nos dias de hoje, um instrumento base que sustenta a política de desenvolvimento das bibliotecas públicas portuguesas. Atualmente a Direção-Geral do Livro, Arquivos e Bibliotecas / Ministério da Cultura, tem incentivado as Autarquias e as Comunidades Intermunicipais à criação de Grupos de Trabalhos de Profissionais das Bibliotecas de Leitura Pública para reforçar laços de cooperação territorial, partilha de recursos, assumindo uma maior escala regional e maior impacto social.  O acompanhamento por parte da DGLAB tem sido muito positivo e de proximidade, revelando-se uma mais-valia nos últimos dois anos. Falta mais reconhecimento público por parte da comunidade do papel e importância das bibliotecas públicas para os cidadãos; maior atuação de proximidade das bibliotecas junto das populações para as sensibilizar e motivar para a importância da leitura, da escrita, da comunicação, como fatores de desenvolvimento do pensamento crítico e formas de integração social. Para isso há necessidade de haver equipas de trabalho nas bibliotecas mais fortes e bem formadas, com a possibilidade de realizarem serviços de extensão de biblioteca fora de portas. Paralelamente ao trabalho de reconhecimento público, deve haver o reforço financeiro para dotar as bibliotecas de serviços e espaços atrativos à população, qualquer que seja a sua idade.



A Biblioteca Lúcio Craveiro da Silva recebeu uma menção honrosa no Prémio Boas Práticas em Bibliotecas Públicas. Quer dar exemplos dessas boas práticas.
A Biblioteca Lúcio Craveiro da Silva foi reconhecida no âmbito do Prémio de Boas Práticas em Bibliotecas Públicas em 2018 por uma prática que tem levado a cabo há cerca de 3 anos com o grupo de investigação da Escola de Ciências da Universidade do Minho, chamado Scientia.org.pt, onde se pretendem desenvolver competências literácitas científicas nas crianças e nos jovens, com a marca e qualidade de profissionais altamente qualificados, professores universitários. É uma ligação muito profícua entre a Escola de Ciências da Universidade do Minho, a BLCS e a Comunidade.  O testemunho de Elvira Coutinho, técnica da Biblioteca que acompanha esta atividade desde a sua implementação “O sucesso desta atividade deve-se essencialmente em despertar no público Infantil o interesse pela cultura científica. Tem sido notável o crescente interesse em participarem nesta  atividade, não só pela sua importância, mas também pela prática alegre, divertida e estimulante com que as professoras e os seus alunos de licenciatura realizam a “Ciência p´ra que te quero”, em múltiplas temáticas.”
   
5ª Como vai ser a biblioteca do futuro?
Hoje o panorama das bibliotecas públicas portuguesas é tendencialmente de existência e comunhão com a sociedade envolvente. As bibliotecas públicas já vão servindo, à sua escala de concelho, as suas comunidades. Estão instaladas em edifícios novos ou requalificados, com equipamento adequado, fundos documentais atualizados, pessoal minimamente qualificado, orientando-se pelos princípios da UNESCO e da IFLA. A biblioteca do futuro deve ser o espelho do seu território, tornando-se numa espécie de “camaleão” das sociedades atuais. Deve acompanhar as macrotendências das tecnologias de informação e comunicação, as necessidades de informação e de formação dos cidadãos. Colaborar no fecho de lacunas existentes no suporte à investigação, ao estudo, à formação e educação, com o enriquecimento de fundos bibliográficos. Ser parceiro ativo em redes institucionais.  Deve servir as populações nos dois formatos analógico e digital, pois terá sempre de interagir com discursos do passado, presente e futuro. Deve rever permanentemente a conceção do espaço físico interior e exterior, com áreas físicas diferenciadas para vários públicos e utilizações; ter pessoal especializado na área das bibliotecas e documentação, da ciência da informação, infometria, das TIC, repositórios digitais, da animação social e cultural, das media arts. A Biblioteca deve ser espaço social, espaço de leitura individual e silenciosa, potenciar áreas de estudo em grupo, de jogos e interação social entre indivíduos, oferecer formações em várias áreas do saber, oficinas, palestras, oferecer programas culturais ecléticos e ricos, com qualidade garantida. Deve posicionar-se numa rede local de parceiros e contribuir de forma ativa para o aumento dos níveis de literacias nas áreas da leitura, escrita, dos media, científica.


Entrevista: António Vilhena e Angel Machado.

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