Quando
vejo as fotos dos meus filhos, Rodolfo e Susana, é do Natal que me lembro. As
suas fotos bebés fazem-me mergulhar no Natal verdadeiro, no seu simbolismo universal
de todas as latitudes, independentemente da crença ou do Deus. S. João Evangelista
propaga sempre a luz e todos nos sentimos irmãos dos coríntios. A liturgia
perpetua-se nas vozes dos poetas, na construção paciente das palavras, na lenta
transformação da natureza. Apesar do convite à bondade, é, também, nesta quadra
que a hipocrisia é rainha, muitos sentem-se realizados por se lembrarem dos
mais desprotegidos, por darem migalhas, por publicitarem o bem. Assim, podem
celebrar o Natal mais apaziguados, dormirão com a consciência tranquila e já
podem fazer a ostentação da bondade. Depois brindam a um futuro que sempre foi
igual ao seu passado e, assim, tudo continua igual. É preciso lembrar, ainda,
que o Natal não transforma as pessoas más em boas, o Pai Natal não traz a poção
mágica para derreter corações de pedra. Felizmente a bondade não é apanágio de
católicos ou de ateus, de crentes ou agnósticos, é uma qualidade ao alcance dos
que não resistem à generosidade e à humildade durante o resto do ano.
Sei
que alguns amigos resistem, estão a contar os dias nos hospitais. Para esses
vão os meus pensamentos. “A vida é lenta quando a morte tem pressa”, escreveu
Miguel Torga. Mas a vida de todos os dias faz-nos cerrar os dentes, inventar as
paisagens nas paredes brancas e ouvir sinfonias nos corredores da espera. Nestes
momentos uma mão é equivalente a um jardim, uma prova de existência que
alimenta a esperança onde a força é escassa.
Meu querido Pai Natal, lembra-te do Professor de Filosofia
que ficou desempregado, que perdeu a casa, a família e passou a dormir sob as
arcadas. E da avó que não tinha chocolates para dar aos netos. E da menina que
adorava desenhar bonecas, apesar de não ter nenhuma. Não estou a fazer
Literatura, tu conheces algumas destas histórias. Andas a correr mundo neste
Natal e, por isso, deves visitar os mais fracos, os desprotegidos, os doentes,
os idosos, aqueles que fecham os olhos para não verem a solidão. E, se puderes,
coloca um pouco de bondade onde não crescem as flores.
Permite-me desejar-te persistência. Eu
sei que é uma palavra pouco festiva, mas com ela eu posso motivar os que
precisam de esperança; às vezes precisamos apenas de uma palavra, como de um
dedo, como de um olhar. Às vezes, o pouco é o muito possível que ainda nos é
permitido para respirarmos o que a natureza nos oferece. Persistência é uma
espécie de coragem silenciosa que vive sob a pele, que não desiste de esperar
pela manhã. Eu sei que não podes vestir-te de todas as palavras, mas, hoje, eu
peço-te que me ajudes a escrever os nomes dos meus filhos. Vá, começamos
devagarinho. Primeiro o do Rodolfo, depois o da Susana. Quando terminarmos, tu
podes continuar a viagem e, assim, perpetuar os nomes de outros meninos, que
hão-de lembrar-te, mesmo, quando não for Natal.
António Vilhena
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